Eu e a pandemia
 



Cronicas

Eu e a pandemia

Magaly Andriotti Fernandes




Eu e a Pandemia

MAGALY ANDRIOTTI FERNANDES


O ano de 2020 iniciou de forma totalmente atípica. Vim da praia, onde normalmente usufruo das férias com os netos, cheia de projetos e programações de viagens. Primeira semana de março, sem muita convicção tendo que ficar em casa devido à Pandemia do Covid19. Na praia, não assisto notícias e não leio jornal. Caminhamos, conversamos, jogamos, assistimos filmes, lemos livros e contamos histórias.
Momento surrealista, meu filho me liga e diz:
— Mãe, o que vocês estão fazendo no Shopping?
— Ora, criatura, o que podemos estar fazendo aqui, passeando, comprando e comendo.
— Oh mãe, tu não escutou a notícia, não? Pelo menos estão de máscara? Limparam as mãos com álcool?
— Tu bebeste ou o quê? O carnaval já terminou.
— Mãe, vão para casa , vou jantar contigo e te falo.
E assim passei a viver em isolamento social. Primeiro o choque, a intranquilidade, a retomada de planos. Tudo com muita dificuldade.
Fui salva pelo artesanato, pela literatura, pela música e pela TV. Por incrível que pareça, a TV, que há muito tinha deixado de lado. Passei a assistir séries, turcas, coreanas, japonesas e chinesas. O mundo se mostrou para mim de forma total. A Ásia existia de forma muito abstrata. Passei a sonhar em conhecer as praias, as cidades, as pessoas e a experimentar as comidas desses povos. A música estava ali bem ao meu alcance, e pude então viajar para esses mundos tão distantes. A comida também passou a ser revista, já que não estava caminhando tanto quanto deveria, e aproveitei para aprender a fazer pratos desses países. Retomei o aprendizado do italiano e do inglês, cotidianamente.
Os livros ficavam brigando com a TV, a imagem nos encanta e eu tenho que dizer, fico imersa. Quando os filhos ou netos ligavam, eu achava uma chatice, pois não queria deixar de assistir a nenhum episódio. Até me dar conta que o controle é por mim comandado. Entrei em Clubes de Leitura, o que me ajudou na contação de história e a fazer frente ao mundo televisivo. Descobri autores como o angolano Agualusa, a Hilda Hilst, o João Antonello Carrascoza. Retomei Machado de Assis e Clarice Lispector. Voltei aos clássicos, Vitor Hugo, Dostoievski entre outros. E a escrita, nos primeiros meses, se tornou bordado. Bordei livros para minha neta pequena: A abelha e o vagalume; e A libélula e a joaninha. Do bordado passei ao crochê e fiz o figurino inverno/ verão para as bonecas Barbies da neta do meio, e os vestidos das princesas. Eu, que nunca tive paciência alguma, me vi diante de tutoriais, fazendo, desmanchando , refazendo até o vestido sair do tamanho e do modelo proposto. Atividade totalmente meditativa. Saíram colchas, suplás, bolsas.
Levou um tempo para que eu não mais conseguisse ficar sem ver e abraçar meus familiares, passei mal fisicamente diante da morte de uma amiga, e me fui para casa do filho mais velho. O caçula estava sempre ali comigo, o que me permitiu o enfrentamento e a criatividade. O convívio na família me fortalece. Voltar a brincar com as netas, fazer desfiles, pintar em pedras, plantar, colher, andar de balanço, caminhar pelas ruas da pequena cidade onde moram. Uma cidade mágica, onde, pelas manhãs o céu fica repletos de balões. O balonismo ali é uma atividade de turismo. Mesmo com a pandemia, alguns turistas se arriscavam.
Com meu grupo de escrita criativa, seguimos de forma online uma escrita a cinco mãos. Exercícios e novos aprendizados sobre o conto. Encontros virtuais, onde podíamos colocar as fofocas em dia. E a saudade, de ir a um café, ao teatro, ao cinema, isso que antes parecia tão comum, que nos dávamos ao luxo de muitas vezes abrir mão. As viagens, ir a Poços de Caldas, para feira do livro que deve que ser adiada, de ir a Campo Grande, ver a família. Ir para Europa, viajar sem rumo, projeto engavetado.
A TV, também pude assistir ao que quis, pois o noticiário, quando visto , nos mostrava o horror do número cotidiano de mortes de pessoas. O empobrecimento de tantos outros e o desgoverno de nosso país.
Penso que vivemos um mundo machadiano de seu conto “O Alienista”.
Reinventamo-nos e seguimos, agora com sonhos e projetos em curto prazo. A ceifeira está na nossa soleira, temos que ser cuidadosos. A casa, o lar é um universo infinito. Lançamos uma ponte aqui outra ali e na maciota vamos ganhando mundo.


 

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